quarta-feira, 7 de abril de 2010

( textos do meu baú... este mantém-se tão actual nas emoções que espelha)

Estou no termo do meu ano de 30º aniversário. Presumo, pela ordem natural da vida, que ainda me faltem uns bons anos para andar por cá a azucrinar e a mimar quem se cruza e faz parte do meu caminho mas, daqueles que já vivi, este último primou pelas lições de vida.

Recordo-me agora que há um ano, no pueril desejo a pedir ao som de estridentes e sentidas palmas e enquanto se apagam velas orgulhosamente embandeiradas em lascas de chocolate, sorri-me interiormente e pensei nos presentes do Presente.

Senti-me plena. Madura. Mulher. Pela primeira vez na minha vida me senti assim.

Poucas semanas depois desenrolou-se a aula da vida. Entre uma gravíssima doença de alguém que me é muito querido e outras coisas que, apesar de minimizadas por esse facto, não deixaram de me trazer novas vivências, percebi o quão tontos somos quando fazemos planos para a vida esquecendo de viver os planos que a vida tem para nós.


Numa sequência quase de película cinematográfica, os factos foram sucedendo, encadeados, com sentido e numa espécie de “antes, durante e depois”, de “cabeça, tronco e membros”, de “princípio, meio e fim” (no caso, “feliz”).


Por tudo isso, e olhando para trás, vejo-me como uma estante de livros desejados, comprados, oferecidos, impostos por formação, emprestados e, por isso, temporários, uns de lombadas gordas outros mais elegantes, coloridos, garridos, discretos.

Factos da minha vida comparados a livros!...

Livros que li e devorei cada página.

Livros que comecei e não me entusiasmei.

Livros aos quais me rendi e nessa rendição os releio e descubro uma nova palavra, uma nova frase.

Livros para os quais não estava preparada como pessoa.

Livros que ainda não li apesar das insistentes críticas favoráveis.

Livros que se identificam comigo mas que ainda não houve tempo para com eles viajar.

Livros que apenas foram interessantes no texto de contra-capa.

Livros marcantes, decorados nas frases, nas personagens que tatuei em mim.

Livros desejados mas proibidos.Tentadores na leitura, despertadores de vontades conhecidas mas de destinos desconhecidos. Destes, alguns nunca abertos mas outros lidos no prólogo e de imediato protelados para outros lugares e momentos de leitura livre, desprendida...

Sim, apesar de tudo e por tudo, continuo a sentir-me uma mulher plena no livros lidos e no desejo de ler os que ainda me aguardam na estante da Vida...

Beijos...

4 comentários:

  1. Joana,
    O livro que eu não li, o filme que eu não vi... (Rui Veloso), todos estão comprometidos com a nossa sede de saber.
    O conhecimento é muito importante, dá poder, se bem aplicado esse conhecimento.

    A escola da vida somos nós mesmos, com o dia a dia, com o convívio com outras pessoas, observando, lendo nas entrelinhas, oscultando pareceres, vivendo as ignorâncias, ajudando aqui e ali, consoante cada um pode absorver esses conhecimentos e esse poder que temos nas mãos, chama-se cultura!
    A cultura não é sabermos muito acerca de uma só coisa, mas, sabermo-nos integrar nos meios que nos rodeiam com o à vontade suficiente perante outra opiniões...e constatarmos que nada sabemos!

    A vida é complexa. Tudo é mutável e a nossa verdadeira sabedoria consiste em sabermos aplicar à realidade os princípios que aprendemos, sem fugirmos dos nossos ideais.
    É difícil viver experiências exactamente iguais às nossas, darmos as mãos a quem pensa e age como nós, mas, para isso há os contrastes, os desafios a que nos impomos por força do conhecimento que já adquirimos.

    A mulher completa-se aos 30 anos!? Assim foi comigo! Plena, madura, mais segura e sobretudo com a consciência já desperta para a realidade que enfrenta.
    Bela por dentro e por fora, assim é a mulher dos 30! (quase parecia a ternura dos 40, mas lá chegarás)...

    Os teus textos são sempre de uma formosura linguística espantosa!

    Não te canses muito com os projectos que tens que fazer, eles acontecem sempre quando a necessidade chamar por eles.

    Vive bem e deixa fluir...és muito nova!

    Beijinhos da Nela

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  2. Feiticeirinha,
    li o teu lindo texto sobre a importância da leitura na estruturação do nosso conhecimento. É, sem dúvida, um acto lúdico que, associado (como diz a Nelinha)à experiência da vida (saber de experiência feito,na boca de Camões)e à capacidade de nos dividirmos pelos outros, nos enforma e nos torna mais fortes, consistentes e mais belas. E a mulher Balzaquiana "tem atractivos irresistíveis", assim dizia Balzac, na sua época. A literatura, como sabes, assenta na realidade. É, por isso, um acto de verosimilhança... sendo ficção, podia perfeitamente ser realidade.
    A necessidade do acto de leitura foi um "leitmotiv" de muitos poetas/escritores ao longo dos tempos. Por isso, associo a este meu comentário o poema "E tudo era possível" de um poeta de quem gosto muito(Ruy Belo).

    "Na minha juventude antes de ter saído

    Da casa de meus pais disposto a viajar

    Eu conhecia já o rebentar do mar

    Das páginas dos livros que já tinha lido



    Chegava o mês de Maio era tudo florido

    O rolo das manhãs punha-se a circular

    E era só ouvir o sonhador falar

    Da vida como se ela houvesse acontecido



    E tudo se passava numa outra vida

    E havia para as coisas sempre uma saída

    Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer



    Só sei que tinha o poder duma criança

    Entre as coisas e mim havia vizinhança

    E tudo era possível era só querer



    Ruy Belo

    AH! já agora acrescento. Como a esperança de vida tem aumentado, a mulher balzaquiana, nos dias de hoje, pode perfeitamente ter 50(ou mais) anos... e manter os tais "atractivos irresistíveis". Que te parece?...
    Bjinhos

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  3. Olá, Feiticeira Amiga! Um beijinho grande para ti e parabéns pelo texto...
    É sempre bom ouvir falar de livros e esta tua linda reflexão, faz-me não resistir a partilhar contigo mais uma crónica que publiquei sobre este tema e que reza assim:


    Abril: Mês do Livro…


    Desde novos fomos ambos para a escola, mesmo quando em seu corpo de folhas agrupadas me aborreciam as letras e eu centrava o olhar sobretudo nas imagens, nos esquemas e nos gráficos.
    Depois, aos poucos, ele acabou por me vir deslumbrando, cativando e surpreendendo. Porque ele sabia sussurrar-me as palavras que eu gostava de ouvir ou simplesmente não barafustava quando o punha de lado, entre os muitos irmãos perfilados na madeira da estante ao fundo do escritório. Aí ele readquiria a sua dignidade de família, portando-se com imensa tolerância e respeito no meio dos outros - não obstante a multiplicidade de formas e a diversidade das ideias, das matérias e das cores que abundava em cada um.
    Quase poderia dizer-se que com ele aprendi melhor a humanidade de que sou feito e também o muito que com pequenas frases e pequenos gestos é possível fazer pela Humanidade. Em certa medida, o que ele me mostrava fazia de mim um construtor de mundos: ávido viajante de espaços, de vontades e de sonhos…
    A dado momento, no virar de uma página, tornámo-nos confidentes e ficámos amigos quase inseparáveis.
    Muitas vezes ainda hoje dorme à minha cabeceira, enfiado em seu pijama de capa reluzente: nunca se rompendo entre nós a cumplicidade – nem mesmo para lá da hora sonolenta de apagar as luzes.
    É bom senti-lo, afagá-lo, acompanhá-lo e dar-lhe ao mesmo tempo a oportunidade de vir ao nosso íntimo tomar voo ou então unicamente fazer ninho…
    Em algumas ocasiões como que vivo por ele, porque passeamos de mãos dadas dramas e aventuras, belas paisagens e situações de tensão ou de miséria.
    Um dia, ele levou-me de facto por terras distantes e apresentou-me a tanta gente que borbulhava dentro dele, a tanta vida traduzida e compilada em sua pele tatuada de palavras. Aí percorremos estradas e estrelas - e foi tão depressa que regressámos a casa, que quase víamos, debruçado em sua banca sobre o branco rascunhado do papel, o nosso próprio contador de histórias. Então compreendi que homenageá-lo a ele é também celebrizar a plêiade de escritores que lhe dão ser e em tantas alturas profundeza e complexidade.
    De modo que sei que nem sempre é fácil compreendê-lo ou até em determinados momentos aturá-lo! Mas também sei que não raro acontece rirmos juntos, amarmos juntos, separarmo-nos juntos, chorarmos juntos…
    Entre mim e ele, por conseguinte, não há pontes: pois os rios de coisas que se metem entre nós são sempre por milagre a nossa margem comum e simultânea, o nosso lado único e recíproco do encontro, da partilha e da partida.
    Às vezes chego mesmo a pensar que entre mim e o livro é que se situam as coisas que nem sequer existem e que são por isso mais palpáveis e concretas: mais presentes e reais nesse seu jeito conversador até na hora mais calada ou solitária do caminho…

    Jorge Tinoco

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  4. Já agora, aqui vai outro texto sobre livros, mais fraquito, mas que também virou crónica (espero que sem interpretações sexistas):


    Na praia leia um livro…


    Os dias agora já vão sendo maiores, de roupa folgada passeando o pôr-do-sol ao pé da praia.
    Lentamente avanço olhando as dunas, onde algumas plantas verdes servem de pouso a pássaros avulsos, quase pequenos demais para rondarem assim tão perto a grandeza do oceano.
    De mãos nos bolsos do blaser branco em que a brisa bate, sozinho penso.
    Em breve estas areias encher-se-ão de gente de todas as idades lendo qualquer coisa entre o devaneio das gaivotas e o sussurrado espreguiçamento do mar.
    De repente, como que vejo nascer um pouco os hábitos e a cultura próprios desta época, ali mesmo repartidos entre a avenida pedonal das saias curtas e a crista rugosa do iodo e dos rochedos.
    De modo que, para lá dos piqueniques no caminho ou das sandes aviadas sob o cogumelo do guarda-sol, surgem os jogos de praia, os papagaios de papel ou então as pranchas de surf a desafiar as marés mais radicalmente favoráveis e frenéticas.
    Mas, de igual forma, também há uma certa literatura que prolifera nesta altura por estas bandas, debulhada na toalha colorida ou na cadeira de lona um tanto reclinada, enquanto não chega a hora do banho, da língua-da-sogra ou do corneto de baunilha.
    Ora, nestes entrementes de espairecimento ou de leitura, os homens por regra interessam-se mais pelos reforços e pelas transferências que aparecem em destaque nos jornais desportivos, inteirando-se de quem vai por tantos milhões para o Benfica, para o Sporting ou para o Porto. Ou então ficam-se por pequenos cadernos comprados de improviso nos quiosques para matar o tempo com anedotas, palavras cruzadas e chalaças - que já lá vai a idade bexigosa dos folhetins apenas com moças nuas!
    As mulheres, essas voltam-se essencialmente para as revistas, folheando a escultura dos actores ou os namoricos que acontecem na vida real, por fora do ecrã, com os protagonistas das novelas. Também as há que preferem as publicações com conselhos de cosmética, de jardinagem, adereços para o lar ou receitas um tanto inovadoras de dietética e culinária.
    E avultam ainda os livros de bolso, sobretudo os de frases fáceis contando histórias corridas sem grande retórica ou custosa necessidade de interpretação e assimilação. São volumes por vezes quase velhos que se lêem aos solavancos e depois regressam à bolsa entre os cremes, polvilhados de uma areia fina que arrepia quando raspa o miolo amarelado do marcador entre as páginas.
    Mas eis que, num instante, vejo a silhueta de alguém compenetrado numa leitura muito mais exigente e interessante, cuidando zelosamente os parágrafos, as personagens e a obra. Ao longe, parece-me você! Depois quase teimo comigo próprio que é mesmo você!
    E fico feliz por isso: porque agora já escuso de lhe dizer para aproveitar as férias calcorreando o mar ou a montanha, mas nunca se esquecendo de levar um bom livro para ler…


    Jorge Tinoco

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