quarta-feira, 14 de julho de 2010

Outro roubo...

Beijo

Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.

É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.



Jorge de Sena (um português que sorveu a brasilinidade tão deliciosamente exposta neste poema..)

2 comentários:

  1. Olá, Feiticeira!
    Lindo este texto de Jorge de Sena, como tantos outros que contaram e cantaram o beijo no lado mais belo, mais solto e mais navegante da sua espontaneidade...
    Mas, como com o beijo também interfere um fundo cultural que muitas vezes só o tolhe e condiciona, envio-te mais uma das crónicas que publiquei e onde, num dos parágrafos, se refere essa vertente - ainda que talvez aqui venha complicar a tanta beleza e naturalidade desta magnífica sinestesia de Sena...

    Um beijo e aqui segue o texto:



    O nosso nome é legião…


    Aqui, sob o cheiro adocicado das tílias, encostados com o jornal entre as mãos nesta paragem de autocarro, meditemos por instantes na cultura assim assente na vida que nos passa diante de nós…
    Atentemos, por exemplo, nestes jovens que chegam aos magotes, vindos da escola, com missangas ao pescoço e calão fácil à flor dos lábios.
    Ei-los que depressa tagarelam e rodopiam junto a nós, quase sempre sem nos apercebermos de que a propósito de calão e de colares poderíamos falar em inúmeras coisas, muito técnicas e académicas, sobre linguagem e artefactos.
    Mas poderíamos ainda seguir outro caminho: supor as matérias e os livros que transportam nas mochilas e partir daí para imaginarmos o percurso de aprendizagem que teriam feito antes de alcançarem este grau que agora frequentam. Depois talvez percebêssemos que, em certa medida e num certo sentido, a cultura de cada um é uma dinâmica de experiências e saberes em que cada qual se tornou mais tradição ou mais moda no modo de interpelar e interpretar o mundo…
    Já agora, olhemos um pouquinho mais além e vejamos como os beijos que trocam tomam formas diferentes de antigamente, ali tantas vezes agarrados e expostos na sofreguidão da boca ardente e partilhada. De maneira que, não existindo por definição culturas superiores nem inferiores: de súbito me pergunto que cultura diferente haverá entre o beijo breve e alongado, o beijo novo e o antigo, o beijo público ou privado? E que critérios de moral ou educação se intrometem na cultura do beijo para que ele surja mais desta forma ou mais daquela na expressão natural do desejo e da paixão? Ou que factores culturais e históricos impuseram a essa coisa única que é o beijo uma pluralidade de contextos e significados, a ponto de podermos ter o beijo como ritual de saudação, acto de despedida, gesto de reencontro, desfecho de contrato ou até sinal de traição?
    De modo que às vezes basta recostarmo-nos aqui, de jornal entre as mãos sob o verde pensativo das tílias, para entendermos que, para lá das muitas formas de que a cultura se reveste, também em si mesma cada forma e cada ser é sempre qualquer coisa livre e condicionada, própria e alheia, genuína e mesclada, original e imitada…
    Então, quando alguém chegar perto de ti, com ar empertigado e importante, a dizer que tem muita cultura: compreende sempre que esse alguém é ele mesmo mais um conjunto de trajectos, ambientes e circunstâncias. E que nunca é só pelo seu nome que tem esse valor de que se gaba e que te diz!
    Porque, afinal, o nosso nome nunca é só o nosso nome: mas acima de tudo o nosso nome é legião…

    Jorge Tinoco

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  2. Sinto-me uma privilegiada pela presença de tão queridos amigos no meu "caldeirãozinho"!!

    Sei que alguns apenas me espreitam e que outros lhes apetece condimentar as minhas poções deixando aqui, escritos e sentidos, os seus pensamentos numa fraterna partilha, como tu, querido amigo Jorge!!


    A todos, claro!, agradeço a estima e o incentivo embora me confesse ainda com falta de inspiração para novos textos...

    Um feitiço de sorrisos e volta sempre!!!

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