quarta-feira, 7 de julho de 2010

Voltei à fase dos poemas, hinos à sensibilidade...

Nas minhas incursões noturnas pela internet descobri, ontem, este poema do saudoso Eugénio de Andrade.

Tocada, rendida e maravilhada "furteio-o" da sua sede e trouxe-o até ao meu canto... estarei perdoada? ...

"Apenas um corpo

Respira. Um corpo horizontal,
Tangível, respira.
Um corpo nu, divino,
Respira, ondula, infatigável.

Amorosamente toco o que resta dos deuses.
As mãos seguem a inclinação
do peito e tremem,
pesadas de desejo.

Um rio interior aguarda.
Aguarda um relâmpago,
um raio de sol,
outro corpo.

Se encosto o ouvido à sua nudez,
uma música sobe,
ergue-se do sangue,
prolonga outra música.

Um novo corpo nasce,
nasce dessa música que não cessa,
desse bosque rumoroso de luz,
debaixo do meu corpo desvelado."


Fabuloso, não é?... "um novo corpo nasce debaixo do meu corpo desvelado"...

Um sorriso apenas ...

2 comentários:

  1. É fabuloso "Eugénio de Andrade"... e a sua humildade sempre me comoveu. Conheci-o pessoalmente... e foi com muita dor que o vi partir.
    Aqui tens mais um poema... sublime e que me faz chorar... acredita... e que tu já deves conhecer

    "Adeus
    Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
    e o que nos ficou não chega
    para afastar o frio de quatro paredes.
    Gastámos tudo menos o silêncio.
    Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
    gastámos as mãos à força de as apertarmos,
    gastámos o relógio e as pedras das esquinas
    em esperas inúteis.

    Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
    Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
    era como se todas as coisas fossem minhas:
    quanto mais te dava mais tinha para te dar.
    Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
    E eu acreditava.
    Acreditava,
    porque ao teu lado
    todas as coisas eram possíveis.

    Mas isso era no tempo dos segredos,
    era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
    era no tempo em que os meus olhos
    eram realmente peixes verdes.
    Hoje são apenas os meus olhos.
    É pouco mas é verdade,
    uns olhos como todos os outros.

    Já gastámos as palavras.
    Quando agora digo: meu amor,
    já não se passa absolutamente nada.
    E no entanto, antes das palavras gastas,
    tenho a certeza
    de que todas as coisas estremeciam
    só de murmurar o teu nome
    no silêncio do meu coração.

    Não temos já nada para dar.
    Dentro de ti
    não há nada que me peça água.
    O passado é inútil como um trapo.
    E já te disse: as palavras estão gastas.

    Adeus."

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  2. Deixo tudo do outro lado,
    Pendurado sobre o esquecimento.
    O motivo do vôo não faz sentido.
    Sei o que fazer com as tuas mãos,
    Estou parado e inerte sob os teus olhos.

    O tempo esse vagaroso abafante,
    repleto de intervalos na tua (minha) cabeça.

    Não encontro vontade de dizer com palavras a tua dor, nem o cinzeiro para as tuas chamas.

    Mais valia não ter ficado agarrado ao chão,
    não me deixam seguir por nenhum caminho.
    A suavidade dos poentes,
    discutiam em sussurros.

    Quem me dera ter morrido nesse dia,
    O preterito perfeito esse traidor!

    Os meus silêncios são teus.

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