quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O que nos caracteriza...

A minha propensão para ser actriz (forçada) em episódios insólitos e, por vezes surreais, diverte-me!

A princípio sentia-me intrigada e a frase "só a mim" era desabafada em tom de reclamação, mas a vida comandada pelo mestre "tempo" fez-me perceber que é nesses insólitos que gargalho com mais vontade...

E assim me apetece perguntar: o tom do telemóvel pode definir quem somos? O que subjaz à escolha do toque de telemóvel? O carisma, a discrição, a alegria, a impossiblidade de silenciar, o pragmatismo, a simplicidade, a sofisticação, o modernismo, a parvoíce?

Francamente não sei...

Estava eu, de novo e como sempre, a tomar o meu pingo de meio de manhã, única cafeína que tomo durante o dia, quando se abeira de mim, junto do mesmo balcão e para tomar um café, um belíssimo homem.

Na escala dos 40 anos, moreno, cabelo curto e preto a igualar os olhos e a contrastar o sorriso de cal que lhe naceu quando os olhares se cruzaram...

Estava muito bem vestido, em tecidos alinhados e muito "casual". Os acessórios da praxe, relógio, óculos de sol, sapatos estavam a condizer na perfeição. E o perfume era a cereja no topo do bolo.

Imediatamente retomei a minha pose de "olhei-só-porque-chegou-não-porque-seja-lindo-de-morrer" e accionei de imediato a visão de mocho (equipamento de série de qualquer mulher que se preze e que, no caso, permite uma perspectiva periférica).

Naquele dia o dono do café, um senhor amoroso que, desde há cerca de alguns anos, engraçou comigo mas que nunca tem conversa diferente da de: "Olá Dr.ª, é o pinguinho não é?", ou então: "Só vai almoçar sopa?" ou ainda "Esta juventude está perdida quando calhamos de falar do meu trabalho" (bem retomando...perco-me sempre!), nesse dia o senhor amoroso decidiu conversar sobre as origens do seu negócio, diga-se centenário e com honras de consagração literária. 

O meu colega de cafeína, absolutamente convicto do seu charme de embalagem, tenta, por gestos recolhidos pela visão de mocho, aproximar-se.

Senhor amoroso que é Senhor amoroso convida todos ao acontecimento e, entre olhares para mim e para o charmoso, implica-nos naquela conversa sem interesse mas que dessa forma se tonou deliciosamente envolvente...


À margem da conversa, apenas tenho como referente daquele homem a aparência.
Talvez recolha da sua atitude a característica de auto-estima, de saber estar, de segurança e o sorriso mostrou que é uma pessoa positiva (sim! declaro oficialmente a minha rendição às pessoas que me sorriem...) mas é apenas uma dedução.

Até áquele momento digamos que o efeito "Primeira aparência" era muito positivo.

De repente, tons estridentes e altamente polifónicos de onde se percebia a música da Shakira e do Alejandro Sainz sob o tema "La tortura" abafavam as palavras do Senhor amoroso e rebentavam, qual bola de sabão, a cumplicidade involuntária que as mesmas fizeram nascer entre dois estranhos...

Era o telemóvel do homem belíssimo. Como é que era possível?!

O efeito "Primeira aparência" foi aniquilado, morto, esfacelado, triturado por aquele toque de telemóvel (até o aparelho de comunicação era lindo...)
O que levou aquele homem a escolher "la tortura"?!!

O que corresponderá à sua real personalidade: a sofistição e perfeição reflectidas na aparência física ou a indiscrição e espalhafato emanados daquele som latino e esganiçado que escolheu como toque?

Enfim, assim torturada, despedi-me do Senhor amoroso, saí e deixei o belíssimo homem absolutamente vazia do efeito positivo da aparência, enquanto este lá ficou à conversa ao telemóvel...

E já na rua pensava: "Afinal o que diz sobre aquele homem o tema de toque "La tortura"? E o que diz o "Nostalgia" sobre mim? ..."

Feitiços polifónicos...

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